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O OFÍCIO DAS PALAVRAS - Por Carlos Gildemar Pontes


as palavras são poucas 

e nem sempre são verdades 

mas às vezes escapam da boca

e ferem vaidades



as palavras corroem o íntimo

e o inominado

ácido removendo crostas

para todo lado


as palavras fogem desesperadas

das bocas solitárias

e são negadas nas madrugadas

mas continuarão retidas na memória

e o tempo não poderá abafá-las



as palavras são cruéis como guilhotinas

e não cegam seu fio pelas esquinas


mas são também doces como alfenim

quando sabem o caminho do sim

as palavras que se acomodam

aos corações acomodados

não removem montanhas

sequer obstáculos de areia

muitas vezes as palavras se atropelam


nas bocas insaciadas

e não alcançam ouvidos ou corações

são tão simples

tão inaudíveis e tão inacessíveis


as palavras são muitas para quem cala

quem guarda no silêncio a própria fala

são difíceis de averbá-las no futuro

mais ainda de vivê-las no passado




Publicado no Livro O olhar de Narciso, Prêmio Ceará de Literatura, 1993, publicado em 1995.







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